sábado, 5 de novembro de 2016

PERDÃO


Sobre o Perdão
 Perdoar não é difícil. Mas, embotados que estamos, temos problemas em vencer as barreiras do Eu, do ego. Apegamo-nos à dor e ao sofrimento, e este apego inviabiliza o perdão.

Enquanto acharmos que existe algo ou alguém a ser perdoado, não perdoaremos nada nem ninguém, nem total nem parcialmente. O perdão parcial não existe, é só mais uma cômoda invenção.

Sem que exista uma mudança radical do ponto de vista da história, o perdão não é possível.

Enquanto não nos desprendermos de idéias e frases padronizadas – "Ele me fez isso!", "Ela me fez aquilo!", "Ah, se fosse comigo!", “Ele me fez isso, mas eu perdoei!”, "Ele lhe fez tudo isso e você não fez nada?" –, não estaremos habilitados a perdoar. Estaremos ainda muito presos ao Eu, estaremos reféns das idéias, das histórias.

A questão fundamental é que, quando perdoamos alguém, percebemos, no final, que não havia nada a ser perdoado.

Conflitos e mágoas acontecem porque fantasiamos, exageramos, criamos ilusões, expectativas, sobre situações que nos acontecem ou sobre o futuro, porque culpamos os outros por não terem realizado nossos desejos, nossas fantasias, por não terem correspondido às nossas expectativas. Mas, quando conseguimos enxergar o quadro sob um outro ponto de vista, percebemos que nada havia a ser perdoado, nós é que estávamos delirando, sonhando, fantasiando, distorcendo as coisas.

Enquanto adotarmos a postura de alardearmos nosso perdão às pessoas, a despeito de elas nos terem feito isso ou aquilo, não estamos perdoando de fato. Estamos, sim, nos enganando, fechando as portas para um perdão real, carregando mágoas, raivas e ressentimentos, que se estenderão por muito tempo. No fundo, o próprio enunciado de nossos dizeres, revela que não perdoamos.

Enquanto não aceitarmos as coisas, as pessoas, as situações como realmente são, a vida tal qual se apresenta, não será possível perdão algum. Precisamos entender que tudo é como deveria ser. Nós é que, com nosso orgulho, achamos que tudo deveria ser diferente, que tudo deveria ser do jeito que idealizamos.

Não perdoamos porque somos impacientes, intolerantes; porque nos colocamos como vítimas das situações; porque não aceitamos os outros ou as situações. Não aceitamos pessoas e fatos e queremos ser aceitos. Não perdoamos e queremos ser perdoados. Não respeitamos e queremos ser respeitados. Somos incapazes de parar para perceber que tudo isso é conseqüência direta do fato de não nos aceitarmos, de não nos respeitarmos, de não nos perdoarmos, de vivermos nos culpando, nos cobrando.

Egoístas que somos, acreditamos que precisamos perdoar o próximo e esquecemos que também precisamos de seu perdão. Talvez, saindo um pouco de dentro de nós mesmos e sendo um pouco menos egoístas, possamos alcançar a percepção de que também precisamos ser perdoados. Certamente, já erramos muito e continuamos a errar, a magoar pessoas próximas sem perceber, a agir mal, a irritar os outros. Certamente, por muitas vezes, também já causamos sofrimento a terceiros. Não somos tão santos quanto acreditamos ser. Esta nova percepção, uma vez atingida, nos levará a relaxar. E, assim, poderemos ampliar significativamente nossa capacidade de perdão, pois teremos compreendido que os outros também precisam nos perdoar, e muito.

A esse respeito, reflitamos sobre as sábias palavras do Cristo, em Mateus 18:

21 – Então, Pedro, chegando–se a ele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?

22 – Jesus lhe disse: Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete.

23 – Por isso, o Reino dos céus pode comparar–se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos;

24 – e, começando a fazer contas, foi–lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos.

25 – E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a [dívida] se lhe pagasse.

26 – Então, aquele servo, prostrando–se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.

27 – Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou–o e perdoou–lhe a dívida.

28 – Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele, sufocava–o, dizendo: Paga–me o que me deves.

29 – Então, o seu companheiro, prostrando–se a seus pés, rogava–lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.

30 – Ele, porém, não quis; antes, foi encerrá–lo na prisão, até que pagasse a dívida.

31 – Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram–se muito e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara.

32 – Então, o seu senhor, chamando–o à sua presença, disse–lhe: Servo malvado, perdoei–te toda aquela dívida, porque me suplicaste.

33 – Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?

34 – E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.

35 – Assim vos fará também meu pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.

Para sabermos quantas vezes, pelo quê e quando devemos perdoar alguém, basta perguntarmo-nos quantas vezes, pelo quê e quando gostaríamos de ser perdoados.

Buscar o perdão é buscar compreender o outro, compreender as situações; é buscar um novo ponto de vista, um ponto de vista mais altruísta; é renunciar aos nossos próprios sofrimentos, praticar a tolerância, a paciência, a compaixão, a sensibilidade. Todas esses atos, por si, já são atos de perdão.
POR: FABIO FERREIRA BALOTA

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